Guarda do Embaú na Luta por Recuperação de Onda Clássica
O resgate da onda clássica da Guarda do Embaú passa, necessariamente, pela regeneração ambiental da bacia do Rio da Madre, no entorno do Parque Estadual do Tabuleiro e limite entre Palhoça e Paulo Lopes.
12/Abr/2015 - Edson Rosa - Notícia do Dia - Palhoça - Santa Catarina - BrasilAlongado, o tubo para a esquerda, no encontro das águas provocado pela foz, incluiu na lista dos melhores do mundo o boa praça Ricardinho dos Santos, eterno ídolo de surfistas e pescadores locais, morto em janeiro deste ano em frente de casa.
Quem dá a dica é o shaper Carlos Kxot, 50, pai da menina prodígio Tainá Hinckel, 11, e um dos maiores entusiastas da mobilização pela transformação do lugar em Reserva Mundial do Surfe.
“O banco de areia na foz é o que forma a onda perfeita. O rio descia forte e, com a força do mar, no encontro das águas, formava aquela esquerda alongada”, diz. Pai e treinador de Tainá, o veterano lembra que era preciso muita força nos braços na remada para não ser jogado de volta ao rio. Kxot foi, também, um dos primeiros professores de Ricardinho no canto esquerdo da praia. Assoreado e contaminado por esgoto sanitário e defensivos agrícolas, o rio mudou também o ambiente da praia.
“Está muito fraco, as ondas agora são pequenas e curtas. São tubinhos, em comparação ao mar gigante de antigamente. Perdemos a onda clássica da Guarda”, diz. Manezinho da zona central de Florianópolis, Kxot descobriu a Guarda no fim dos anos 1970 e, uma década depois, trocou de vez a Ilha pelo Sul de Palhoça, na época inóspito.
Era uma estradinha de chão batido, sem luz elétrica, umas poucas casas de pescadores, alguns hippies e um ou outro surfista carioca ou paulista. “Paraíso do surfe e da qualidade de vida, do sossego”, recorda Kxot. A mudança na foz, que mudou também o perfil de quem frequenta a praia no verão, faz o surfista alertar para a necessidade de estudos mais profundos sobre o ecossistema local.
“A praia ficou adequada para crianças. Tem algo errado ocorrendo mais para cima”, diz. Pelas observações dele, a regressão é fenômeno que ocorre mais acentuadamente nos últimos cinco anos.
Para Martin Bianchi, 10 anos, passar horas a fio dentro d’água à espera da melhor onda passou a ter um motivo a mais. É na foz do rio da Madre que o menino se diverte com os amiguinhos da vizinhança e sufoca a saudade de Ricardinho dos Santos, o irmão mais velho com quem aprendeu a dropar a primeira onda e a encarar a natureza com respeito.
É ali, também, observados pelos guarda-vidas e também surfistas Willian Oliveira, 34, e Bruno Sarres, 32, que Tainá, Swell, Otávio, Rafaela, Mateus, Gabriel, Pedro, Lanai, Gustavo e outros meninos e meninas entendem na prática o que ouvem dos mais velhos da Guarda. “O rio está fraco, está assoreado, mas ainda forma ondas boas”, diz Martin. Enquanto crianças se divertem e sonham com as ondas do futuro, surfistas e pescadores caminham lado a lado pela trilha que leva ao costão, ao lado da boca do rio.
Pranchas parafinadas são instrumentos de manobras nem sempre perfeitas, mas tarrafas bem rodeadas não precisam de iscas para emalhar cardumes de paratis. “Está encostando bastante peixe. Prenúncio de boa temporada de tainha”, diz Lucinei Antônio Rosa, o Pico, 37, guarda-vidas no verão, pescador e surfista o ano todo. A despoluição e o desassoreamento do rio da Madre, segundo ele, são essenciais para a Guarda manter o encanto. “Pena que o poder público nada faz. E pena que nem todos que aqui moram ou trabalham estejam realmente preocupados com as condições ambientais da vila”, diz. Natureza que quase diariamente faz a médica Maria Julia Rostirolla, 26, sair de Garopaba para se curar do estresse na praia vizinha.
Reserva depende de parecer internacional
A busca da onda perdida é fundamental também para reforçar a mobilização pelo reconhecimento do lugar como Reserva Mundial de Surfe. Uma das bandeiras de Ricardinho dos Santos, eternizado embaixador da Associação de Surfe e Preservação da Guarda do Embaú, era receber essa designação. O processo tramita desde julho de 2013 na Coalition National Surfing Reserves, Austrália, e na International Surfing Association, vinculada ao COI (Comitê Olímpico Internacional).
Qualidade e consistência do surfe, condições do mar, características do ecossistema, preservação ambiental e envolvimento da comunidade estão entre os critérios das duas entidades internacionais. “A reserva é importante para a recuperação do movimento em parceria com pescadores, comércio e poder público”, emenda.
A exemplo de Carlos Kxot, o presidente da ASPG (Associação de Surfe e Preservação da Guarda do Embaú), Marcos Aurélio Gungel, o Kito, 56, também critica a omissão do poder público. A Fundação Municipal de Esportes, segundo ele, deixou de promover campeonatos amadores e atrair a garotada à praia. “É preciso, também, qualificar o turismo, divulgar as trilhas, recuperar o rio da Madre, conscientizar moradores e visitantes que se trata de ecossistema frágil”, argumenta Kito.
Falta saneamento
Desde 2011, a prefeitura de Palhoça está impedida judicialmente de autorizar ou legalizar ampliação e construção de casas e prédios comerciais na Guarda. A proibição, espécie de moratória imobiliária, é resultado de ação civil pública do Ministério Público Federal em Santa Catarina e abrange a emissão de alvarás, “habite-se”, licenciamentos ambientais e processos para ligações de energia elétrica.
A sentença da Justiça Federal em Florianópolis, mantida pelo TRF (Tribunal Regional Federal) da 4a região, em Porto Alegre (RS), após recurso da Procuradoria Geral do Município, condiciona o fim da restrição à implantação de sistema de coleta e tratamento de esgoto. Projeto que deve ser precedido de EIA-Rima (Estudos e Relatório de Impactos Ambientais). Atualmente, os dejetos domésticos são despejados em fossas sépticas, que contaminam o lençol freático, ou em ligações clandestinas à rede pluvial e, por consequência, o leito do rio da Madre.
A missão da prefeitura é recuperar a qualidade ambiental da bacia do rio da Madre, com envio de relatórios semestrais, sob pena de multa diária de R$ 1.000 por descumprimento. Para o presidente da FCam (Fundação Cambirela do Meio Ambiente), advogado João Batista dos Santos, 62, trata-se de uma tarefa árdua. “A Guarda é conhecida mundo afora, e muita gente quer empreender aqui. Infelizmente, há estas restrições”, avalia.
SOS Rio da Madre
:: O rio da Madre - O rio da Madre nasce no alto da serra do Tabuleiro, corta parte da cidade de Paulo Lopes e deságua em Palhoça, no canto esquerdo da praia da Guarda do Embaú. Antes de chegar ao oceano, percorre trajeto de cerca de dois quilômetros paralelo à praia, onde predomina a vegetação de restinga.
:As prioridades:
– Saneamento básico urgente
– Identificação e lacre de ligações clandestinas de esgoto no rio da Madre
– Controle e fiscalização do uso de agrotóxicos nos cultivos de arroz
– Plantio de mudas de árvores nativas para proteção aos ecossistemas ribeirinhos
– Adoção de critérios ambientais, baseados no princípio de precaução, na aprovação de planos diretores na área da baixada do Massiambu.
Um pouco de história
- Reza a lenda que nos idos dos séculos 18 e 19, caravelas piratas atracaram nas águas calmas da baía Sul de Palhoça, e seus ocupantes remaram até a prainha cercada de mata virgem e banhada pelo rio de água cristalina.
-Em terra firme, escolheram os lugares mais seguros e enterraram seus baús repletos do ouro saqueado da Coroa Portuguesa durante batalhas em mar aberto.
- Surgiu, assim, a Guarda do Embaú. O pacato vilarejo de pescadores, de mar desafiador e pessoas de pouco saber que jamais encontraram o mapa do tesouro, mas eternizaram o encantamento do lugar.
- Nas décadas de 1970/80, durante os anos de chumbo da política brasileira, a prainha sem luz elétrica e de difícil acesso, entrou no mapa de jovens cabeludos com suas roupas psicodélicas e pranchões coloridos.
- Primeiro, vieram os paulistas, entre eles os veteranos Frank e Fabrício, que abriram caminho para os cariocas e mantêm raízes no lugar, um dos berços do surfe nacional.
Reproduzido do site: Notícias do Dia