Letícia Parada, bodysurfer e doutoranda, tem projeto científico que transforma lixo plástico das praias em pranchas
Graduada em Educação Física e agora doutoranda em Ciência e Tecnologia Ambiental, Letícia lança mão do esporte como instrumento de educação ambiental
02/Mai/2023 - Letícia Parada - BrasilO aumento exponencial da população humana atrelado ao comportamento atual da sociedade, caracterizado por um cotidiano acelerado e pela cultura do imediatismo, influenciam os hábitos de consumo e a poluição de forma geral. Consequentemente, a produção e o descarte de resíduos têm atingido proporções preocupantes nas praias e nos oceanos.
Visando reaproveitar os plásticos encontrados na praia e ao mesmo tempo estimular a prática do esporte, a bodysurfer Letícia Parada aplica a tecnologia de reciclagem mecânica na Universidade Santa Cecília (Unisanta), sob orientação da Profa. Dra. Helen Sadauskas-Henrique (LEBIO-Unisanta). Ela também conta com a participação e o auxílio de Caio Reis, engenheiro civil e mestrando em Ciência e Tecnologia Ambiental (Unisanta).
Como surgiu a ideia de transformar os plásticos encontrados nas praias em pranchas de mão (handboard) para pegar onda?
No ano de 2018 eu estava na Europa e ganhei uma handboard de um seguidor e amigo francês. Ele me contou que 50% do plástico contido naquela prancha havia sido encontrado em praias francesas. Aquilo me comoveu, pois eu sempre retirei lixo das praias, principalmente quando ia surfar ou fazer outra atividade física. E achei incrível repensar sobre todo aquele plástico que estava impactando o ambiente e viabilizar uma nova utilidade para tal. A partir dali passei a procurar informações quanto ao reaproveitamento de plásticos, consumi muito conteúdo da Precious Plastic, descobri que diversas pessoas reciclavam plástico e faziam bancos, mesas, azulejos, handboards, etc. Fui me engajando cada vez mais e quando morei em Fernando de Noronha, em 2019, me associei a outra voluntária do Parque Nacional Marinho para buscar financiamento em prol de uma proposta de reaproveitamento de plásticos para ser realizada lá, onde a economia local, a comunidade em si e a escolinha de surfe seriam beneficiadas. No ano seguinte fui finalista em um evento de inovação junto com outros dois colegas, onde nossa proposta versava sobre a produção de artigos esportivos, incluindo handboard, como forma de reaproveitamento do plástico. Em 2022 fui aprovada em primeiro lugar no Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia Ambiental da Unisanta, com o projeto intitulado “Tecnologia aplicada para o reaproveitamento de lixo plástico marinho e fomento da prática esportiva”. E o projeto está caminhando muito bem e já consigo desenvolver handboards 100% compostas por plásticos retirados da praia, sem fazer uso de aditivos.
Além da reciclagem mecânica dos plásticos, o seu projeto de doutorado conta com outras ações?
Reciclar plásticos e transformá-los em handboard é algo que está se espalhando pelo mundo já faz alguns anos, inclusive no Brasil. O fato de dar uma destinação útil e intencional aos plásticos e, consequentemente, fomentar a prática do bodysurf, faz com que essa seja a grande vitrine do meu projeto de doutorado. Mas na realidade meu projeto conta com outros objetivos, até porque a presença de plástico nas praias e nos oceanos é um problema global e, portanto, carece de soluções amplas e mais efetivas. Um dos meus objetivos é desenvolver uma metodologia de educação ambiental que seja capaz de estimular a percepção ambiental de frequentadores de praias. E para isso utilizo o esporte como ferramenta de engajamento e conexão do ser humano com o problema do lixo plástico, uma vez que estar em contato com a natureza faz com que o indivíduo se preocupe com a qualidade e a conservação do ambiente em questão como alguns estudos já apontaram. Padrões de comportamento de usuários de praias também estão sendo estudados, inclusive, pessoas que frequentam as praias brasileiras pelo menos uma vez por semana podem participar do meu estudo. Além disso, realizo um monitoramento na praia do Sangava, situada na cidade de Guarujá (SP), para entender o que influencia a presença de resíduos neste local.
Muito se fala sobre educar crianças e adolescentes, alertando quanto aos impactos causados pelo homem em ambientes naturais, principalmente o descarte de resíduos em praias. Você tem alguma proposta nesse sentido?
Eu acredito que não devemos atribuir exclusivamente às crianças e adolescentes a responsabilidade de salvarmos os oceanos. Isso é sobre todos nós, é um movimento que deve começar e acontecer continuadamente em cada um, independentemente da idade. Afinal, a indústria produz toneladas de plásticos e o consumo de plásticos, em especial descartáveis, ainda é muito elevado. É preciso conter a produção industrial desse material, repensar o design de produtos, reciclar, estimular a reutilização e conscientizar as pessoas cada vez mais. Levando isso em consideração, estou desenvolvendo um projeto de extensão em parceria com os alunos do Laboratório de Ecofisiologia e Bioquímica de Organismos Aquáticos (LEBIO-Unisanta) e Laboratório de Biologia de Organismos Marinhos e Costeiros (LABOMAC-Unisanta) para levarmos a ciência e a cultura oceânica para além da universidade, ou seja, engajarmos a sociedade com o problema do plástico. Ademais, estou construindo uma caderneta de campo repleta de atividades práticas e teóricas focadas na cultura oceânica e no esporte, que poderá ser empregada por escolas de educação básica, ONGs, projetos sociais e esportivos, como material educacional de apoio.
“Todas essas ações fazem parte da minha pesquisa de doutorado, que será finalizada no ano de 2025. No entanto, essas ações vão muito além, elas fazem parte de um projeto pessoal que pretendo dissipar pelo Brasil e pelo mundo. Todos nós somos responsáveis pela manutenção dos bens e serviços ecossistêmicos, sendo que, dentro desses benefícios, o contato com o ambiente natural, como as praias através do esporte, faz parte desse cenário. Preservar esses ambientes trará muito mais benefícios para a nossa geração e para as gerações futuras.”