Lição de vida de uma havaianinha
28/Mar/2007 - Marcelo Cartaxo - Hawaii - Estados UnidosNo dia 19 de junho de 2006 aconteceu mais uma tragédia no litoral pernambucano. Na praia de Del Chifre, em Olinda, o jovem bodyboarder Humberto Batista, 27 anos, foi mordido na perna esquerda por um tubarão ` cabeça-chata` e faleceu menos de uma hora depois, em virtude de hemorragia.
Desde 1992, esse foi o 49º ataque de tubarão no Estado - a banhistas e surfistas - e o 18º caso em que houve morte.
Notícia como essa sempre choca a comunidade do surf. De repente estamos em pleno mar, curtindo o prazeroso ato de pegar onda com os amigos, e quando menos se espera tudo pode acabar de forma trágica.
A vida aqui na terra é realmente passageira. Saber vivê-la e aprender a extrair, até dos piores acontecimentos, lições valiosas são fundamentais para tornar nossos breves momentos úteis e alucinantes. Várias pessoas acham seus problemas cotidianos maiores que todos ou impossíveis de serem solucionados. Mas a felicidade e a esperança de dias melhores está sim ao alcance de todos. Sobre esse assunto, deixe-me repartir e refletir a respeito da história de uma jovem surfista havaiana, numa matéria que li recentemente na revista Seleções (Editora Reader` s Digest Brasil Ltda. / edição de outubro 2005).
Moradora da ilha de Kauai, no Hawaii, Bethany Hamilton, 15 anos, tem o desejo de ser surfista profissional. Incentivada pelos pais e irmãos, todos praticantes do esporte, ela, aos 8 anos, foi campeã do tradicional Rell Sunn, campeonato realizado na famosa praia de Makaha, em Oahu, que homenageia a legendária surfista havaiana que dá nome ao evento. Extremamente competitiva e amante da adrenalina de surfar ondas maiores, Bethany tem o surf na veia!
Mas em 2004, o sonho quase vira pesadê-lo. Motivo: uma ataque de tubarão. Segundo Bethany Hamilton relata na matéria, o tubarão, da espécie ` tigre` e que media cerca de 5 metros, arrancou, em uma mordida, seu braço esquerdo até a axila, juntamente com um enorme pedaço de sua prancha (foto). Foram momentos de muita tensão e pânico, nos minutos em que sucederam ao ataque, desde a saída da praia até o socorro no hospital, em que, coincidentemente, o pai dela se preparava para submeter-se a uma operação no joelho. Ela correu risco de vida, mas sobreviveu ao episódio que mudou sua vida, pode acreditar, para melhor!
SUPERAÇÃO `“ Depois de algumas cirurgias no local atacado, Bethany se deu conta da gravidade do ocorrido. ` Quando sai do hospital uma enfermeira veio em casa trocar os curativos do meu braço. Ao ver para aquele pequeno cotoco costurado com enormes pontos negros, quase desmaiei. Era bem pior do que havia imaginado. Foi ai que soube que precisaria da força de alguém muito maior do que eu se algum dia quisesse voltar para o mar`, conta a havaiana.
Meses depois a vontade dela tornou-se real. Na véspera do Dia de Ação de Graças, em novembro daquele mesmo ano, Bethany voltou a pegar onda. Quando entrou na mar, ela ` teve a sensação de voltar pra casa depois de uma longa viagem`. O medo de estar na água salgada existia, mas pensava: ` quando o medo me vence, não me esqueço de que Deus está cuidando de mim`. Nesse espírito de garra e força de vontade Bethany Hamilton não só passou a dropar ondas sozinha, com apenas um braço, bem como retornou às competições. Além disso, ela tem usado sua história para que outras pessoas, vítimas do mesmo drama de perder um membro do corpo, possam se alegrar em viver e acreditar que são capazes de fazer muitas coisas.
Como Bethany imagino que você, leitor desse texto, também já passou ou ainda vive momentos de muita provação. Tem horas na vida da gente que parece que estamos sentados na prancha, em Waimea, e um big swell entra pesado fechando a baía, querendo nos arrastar para as pedras. Broncas na família, dificuldades de relacionamento, falta de perspectiva no trabalho, grana curta, pressão da sociedade, angústias no coração, vida deseperançada, caminhada sem fé. Olhe novamente para a foto da havaianinha. Tenha certeza que o ` cara lá em cima` quer dizer-lhe algo através dela.
Uma menina de apenas 15 anos vive uma felicidade, em Cristo, que muita gente ` normal` nem sonha. Ela curte surfar com uma alegria que vários marmanjos não sabem o que significa, principalmente quando resolvem colocar o instinto agressivo do localismo e do lado competitivo de maneira egoísta e desequilibrada. Quando Bethany surfou pela primeira vez, após o ataque de tubarão, relatou: ` é difícil descrever a alegria que senti ao me levantar e pegar uma onda novamente. Embora eu estivesse molhada, senti as lágrimas rolando pelo rosto. E pensar que eu chegara tão perto de perder pra sempre tudo aquilo que eu amava tanto: o mar, minha família e meus amigos!`.
Essa jovem havaiana nos mostra que para vencer os problemas é importante, acima de tudo, encará-los como real e, a partir daí, buscar forças em Deus para superá-los. E saber que para tudo há um propósito debaixo do céu, como bem diz Bethany: ` Depois de ver que minha história tem levado alegria para as pessoas, penso que talvez eu possa ser mais útil com um braço só do que quando tinha dois. Acho que foi isso que Deus planejou para mim. Não estou dizendo que Ele fez com que o tubarão me mordesse. Acho que sabia o que aconteceria, e criou uma forma de minha vida ser mais feliz e cheia de significado, apesar de tudo. Se eu puder ajudar as pessoas a encontrarem a esperança em Deus, então tudo o que perdi terá valido a pena`.
Marcelo Cartaxo, 32 anos, pega onda desde os 10, é jornalista/empresário e ex-editor da revista Surf Press