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A pesca e a saúde do oceano

Entenda como a atividade pesqueira afeta o oceano e como podemos ajudar a preservá-lo.

08/Abr/2022 - Alisson Dopona e Patrick Derviche - Brasil
Quem curte um peixinho frito após uma sessão de surfe ou qualquer outra atividade relacionada ao mar? Com certeza, a maioria das pessoas. E a história é antiga, já que a pesca possui um contexto histórico desde os tempos mais antigos da humanidade. Diversas sociedades se desenvolveram com base no extrativismo de recursos marinhos, como podemos observar através dos sambaquis, amontoados de conchas e restos de peixes de populações primitivas presentes em muitos locais ao longo do litoral brasileiro, e que remontam há mais de 5 mil anos. Nos últimos tempos, a produção global de pesca de captura vem aumentando significativamente e atingiu o recorde de 96,4 milhões de toneladas em 2018, segundo dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Infelizmente, acompanhado desse crescimento, os impactos e prejuízos relacionados a essa atividade vêm se mostrando cada vez mais evidentes.

 

Por outro lado, a pesca sustentável é aquela que permite a extração de recursos marinhos em equilíbrio com o meio ambiente, permitindo a preservação da biodiversidade. Através da ciência da pesca, é possível estimar a quantidade de captura que pode ser extraída de forma sustentável de uma espécie ou recurso pesqueiro. O termo é definido como rendimento máximo sustentável (em inglês, maximum sustainable yield - MSY), que leva em consideração fatores como idade máxima, reprodutividade e número de indivíduos. Para isso, portanto, é fundamental informações sobre estatística pesqueira, permitindo assim nortear o gerenciamento pesqueiro.

 

Aqui, explicaremos brevemente sobre os tipos de pesca, a sua importância socioeconômica, os impactos da atividade pesqueira e, por fim, vamos sugerir como suas ações podem fazer a diferença para ajudar o oceano.

Foto de Luiz Fellipe Dias. Instagram: @luiz.uw

 

Tipos de pesca

 

Existem basicamente três diferentes tipos de pesca: a industrial, a artesanal e a esportiva. A pesca industrial é aquela praticada por pessoa física ou jurídica e envolve pescadores profissionais, empregados ou em regime de parceria por cotas, utilizando embarcações de pequeno, médio ou grande porte, com finalidade comercial. Já a pesca artesanal é praticada diretamente pelo pescador profissional, de forma autônoma ou em regime de economia familiar, com meios de produção próprio ou mediante contrato de parceria, desembarcado, podendo utilizar embarcações de pequeno porte. Por último, a pesca amadora é praticada com equipamentos ou petrechos previstos em legislação específica, tendo por finalidade o lazer ou o desporto.

 

Importância socioeconômica

 

A pesca é uma atividade que contribui significativamente para a melhoria da segurança alimentar e nutrição de comunidades costeiras em diversos países em desenvolvimento. Isso se deve principalmente ao fato de ser um alimento rico em nutrientes e relativamente mais acessível quando comparado a outros alimentos de origem animal. Em 2018, a contribuição do pescado para o consumo de proteína animal em alguns países africanos e asiáticos menos desenvolvidos e com déficit alimentar chegou a 50%. Isso é muito importante quando pensamos que o pescado é uma rica fonte de ômega-3, aminoácidos, vitaminas (principalmente A, B e D), além de ferro, cálcio, zinco e selênio.

 

A pesca também é um meio para redução da pobreza, crescimento econômico e geração de emprego. No último relatório da FAO (2020), foram estimados que aproximadamente 40 milhões de pessoas ao redor do mundo trabalham diretamente com a atividade pesqueira, enquanto no Brasil, a estimativa é que aproximadamente 1 milhão de pessoas estejam trabalhando diretamente com a pesca, 3 milhões quando calculamos o número de pessoas envolvidas em toda cadeia de produtiva do pescado. E esse número aumenta se considerarmos os integrantes das famílias de pescadores que dependem dessa atividade para seu sustento.

 

Por ser um país com dimensões continentais, o Brasil abriga diversos habitats e ecossistemas, e, portanto, diversas modalidades de pesca e grupos étnicos que a exercem. Dentre eles, se destacam na região costeira, os Açorianos do sul, os Caiçaras do litoral do Paraná ao Rio de Janeiro, e os Jangadeiros do Nordeste, enquanto que nas águas continentais os Caboclos e Ribeirinhos da Mata Atlântica e da Amazônia, os Pantaneiros do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, além, é claro, dos Quilombolas e Povos Indígenas em diversas regiões do Brasil. Para essas populações, a pesca se mostra não só como um importante componente de subsistência, mas também de manutenção das suas tradições e culturas, fundada em um enorme conhecimento sobre os ecossistemas, ambiente e recursos pesqueiros.

Foto de Eduardo Pereira. Instagram: @edujapy

 

Impactos da atividade pesqueira

 

Porém, o que vem sendo observado nos últimos anos, é que a atividade pesqueira tem sido responsável por diversos impactos aos ecossistemas marinhos, alterando significativamente seu funcionamento e importantes bens e serviços que o oceano nos fornece, como por exemplo o fornecimento de alimentos.

 

Sobrepesca

 

Quando praticada excessivamente sem os devidos controles, a atividade pesqueira desenvolve o que é chamado de sobrepesca (tradução livre do termo overfishing), sendo basicamente a atividade praticada mais rápida e efetiva do que a capacidade dos estoques de peixes pode se recompor. Além da pressão em cima do recurso, a sobrepesca representa um problema para o ecossistema, pois diminui a interação da espécie explorada com outros organismos, podendo levar até mesmo à extinção ecológica, uma vez que as espécies sobrepescadas não interagem significativamente com outras espécies da comunidade. Basicamente, a sobrepesca transforma um ecossistema originalmente estável e maduro, em um ecossistema imaturo e estressado, trazendo grandes danos sociais, econômicos e ambientais.

 

Por conta disso, a abundância de muitas pescarias está em declínio, afetando o potencial de desova do recurso-alvo e seus parâmetros populacionais, como crescimento e maturação. Modificações na composição genética, nas relações com outras espécies associadas, na idade e no tamanho também são observados. Além disso, cada vez mais as pescarias estão focando em peixes de níveis tróficos menores, o que nos traz preocupação sobre os efeitos nos ecossistemas e na própria manutenção da atividade pesqueira.

 

Como um dos resultados da sobrepesca, países ricos, principalmente europeus e norte-americanos, estão indo cada vez mais longe para pescar, comprando direitos de acesso à pesca de países mais pobres. Como consequência, há a pressão nos recursos pesqueiros nessas regiões, propiciando menor disponibilidade de recursos para pescadores artesanais e de pequena escala, dificultando a geração de suas rendas e subsistências, e assim, comprometendo a segurança alimentar das populações que ali residem.

 

Capturas incidentais e descartes

 

Um dos grandes impactos da atividade pesqueira que vem ganhando bastante visibilidade nos últimos anos é o bycatch e os descartes, espécies capturadas nas pescarias, mas que não são alvos delas. A seletividade é o grau em que uma modalidade de pesca consegue selecionar a espécie-alvo. Por conta da baixa seletividade de certas artes de pesca, algumas espécies acabam sendo capturadas sem a intenção dos pescadores. Aquelas que possuem valor comercial, são descarregadas nos pontos de desembarques e comercializadas. Porém, as que não possuem tal valor, como é o caso de algumas espécies de peixes, invertebrados, mamíferos, tartarugas e aves marinhas, ou as que são proibidas, são descartadas no mar, muitas vezes já sem vida.

 

No último relatório da FAO (2020), estima-se que a quantidade anual de bycatch e descartes em todo o globo gira em torno de 9,1 milhões de toneladas, o que representa 10% das capturas atuais. Dessas, 4,2 milhões de toneladas são do arrasto de fundo, 1 milhão de toneladas do cerco, 0,9 milhões são arrastos simples e 0,8 milhões da pesca de emalhe.

 

Como podemos ver, a pesca de arrasto de fundo é uma das grandes responsáveis pelo número exorbitante de de bycatch e descartes. Isso porque essa pescaria revira o fundo em busca de suas espécies-alvo, que são em sua grande maioria crustáceos, como camarões (este sendo o principal alvo do arrasto de fundo aqui no Brasil), caranguejos e peixes que vivem em contato com o fundo. Por conta disso, a atividade causa sérios danos aos bentos, animais que habitam o fundo marinho, como estrelas-do-mar, corais, poliquetas, macroalgas, e também aos animais que interagem com o fundo do oceano. Como já observado pelo escritor Charles Clover, é como caçar esquilos usando redes de quilômetros de comprimento presos em dois veículos e arrastá-la sobre as planícies, destruindo vegetações e capturando diversos outros animais sem interesse.

 

Por outro lado, existem modalidades de pesca mais sustentáveis ao meio ambiente, por exemplo, a caça submarina, desde que realizada com consciência e ética. A principal razão está em sua seletividade, onde o pescador submarino seleciona o peixe que irá pescar, incluindo a espécie, a quantidade e o tamanho. Para isso, o caçador deve possuir conhecimento sobre as espécies e sobre a legislação, incluindo as áreas de pesca permitidas, o tamanho mínimo de captura e a época do defeso. Apesar disso, se praticada de forma irresponsável, desrespeitando o meio ambiente e a legislação, a caça submarina contribui para o declínio dos recursos pesqueiros.

 

Outras artes de pesca que se destacam por sua seletividade são o cerco-fixo e o cerco flutuante, com ocorrências ao longo de toda a costa brasileira, recebendo algumas variações em seus nomes conforme cada região. Basicamente, essa pescaria consiste em uma armadilha onde o peixe uma vez que entra, dificilmente consegue sair, e os indivíduos são capturados no momento propício, geralmente chamado de despesca. Nesse momento, os pescadores são capazes de fazer a seleção das espécies capturadas, assim como os que possuem tamanho comercial, podendo fazer a devolução de espécies sem interesse, que estão em período defeso, ou que são ameaçadas.

Cerco-fixo da região do Lagamar, Litoral Sul de São Paulo. Foto: Eduardo Pereira. Instagram: @edujapy

 

Resíduos sólidos da pesca

 

A perda, abandono, descarte parcial ou total de petrechos de pesca como linhas, anzóis, e redes, tem gerado o que é conhecido como “pesca fantasma”, que ocorre quando esses petrechos “pescam” à deriva no oceano, emaranhando animais e causando o estrangulamento de parte ou todo o seu corpo, ferimentos graves, condicionando o animal em situação que impeça ele de buscar alimentos, e em casos mais graves, a morte.

 

Entre as principais causas, estão as condições adversas do clima, que torna a recuperação do petrecho algo difícil ou perigoso, a gestão irresponsável quando se descarta o petrecho ou parte dele no ambiente marinho, e a pressão resultante de conflitos e competições por áreas entre diferentes áreas de pesca. Todo ano, aproximadamente 640 mil toneladas de petrechos são perdidos, abandonados, ou descartados no oceano, e mais de 136 mil animais marinhos provavelmente interagem com esses petrechos.

 

Os petrechos de pesca que ficam à deriva nos ecossistemas aquáticos nos trazem outra problemática. Por serem de materiais sintéticos (plástico), esses petrechos demoram muito tempo para se decompor, e durante esse longo processo, eles se fragmentam no que é conhecido como microplástico (partículas menores que 5 mm de plásticos). Animais filtradores, como mexilhões, ostras e zooplâncton, são vulneráveis a ingestão dessas partículas, e por constituírem a base da cadeia alimentar, estes microplásticos vão sendo transmitidos através dos níveis tróficos podendo chegar a quem? Adivinhem? Isso mesmo, nós, seres humanos, quando vamos fazer o consumo de peixes e frutos-do-mar.

 

Recentemente já foram constatados microplásticos nos pulmões e na corrente sanguínea de seres humanos. Claro que não se pode afirmar a origem desses microplásticos no corpo humano, afinal, muitos são os vetores que podem fazer que esses componentes entrem na nossa dieta e sejam ingeridos por nós.

Foto de Luiz Fellipe Dias. Instagram: @luiz.uw

 

O que nós temos a ver com isso? O que podemos fazer?

 

Diante disso, fica claro que o universo da pesca é complexo, e que os problemas que a envolvem também o são, e portanto, não há soluções simples. Diversos autores no meio científico vêm discutindo esses pontos ao longo de anos e o que podemos dizer é que realmente não existe uma fórmula mágica e uma única coisa que irá resolver as problemáticas que envolvem a atividade pesca, mas sim uma série de ações. Nas instâncias governamentais de planejamento e gestão, se destacam a Abordagem Ecossistêmica para a Pesca, que considera a interdependência entre o bem-estar humano e a saúde dos ecossistemas, as Áreas Marinhas Protegidas que ajudam a limitar o esforço de pesca, o fortalecimento das estruturas de gestão com maior participação dos atores envolvidos, como o Planejamento Espacial Marinho e os Planos de Gestão e o desenvolvimento de tecnologias que aumentam a seletividade das artes de pesca, como os dispositivos de redução de bycatch (em inglês, bycatch reduction devices - BRD), e muitas outras ações. 

 

Para o Brasil, em específico, a situação é um pouco mais complicado quando vemos que não existe um programa nacional de estatística pesqueira para a geração de dados básicos para uma gestão adequada, os fóruns de discussão e consulta da atividade pesqueira, que possibilita uma gestão participativa e compartilhada, foram extintos recentemente (2019) e temos conhecimento de apenas 7% dos estoques explorados pela atividade pesqueira. Portanto, cobrar dos nossos governantes a implementação de políticas públicas de monitoramento, gestão e manejo pesqueiro, é imprescindível, além da apropriação do assunto para discussão e propostas em fóruns que compartilham a temática pesqueira, como, por exemplo, os conselhos de Unidades de Conservação.

 

Nas ações do nosso dia a dia, é fundamental realizarmos o consumo responsável, isto é, ter consciência dos frutos-do-mar que estamos consumindo. Seja em um restaurante ou peixaria, pergunte qual é o peixe ou tipo de pescado e de onde ele vem. Por exemplo, estoques pesqueiros que estão em equilíbrio, como cavala ou pescadinha, são recomendados para consumo. Já camarões, polvos e atuns, exige o consumo com moderação, pois apresentam ligeiro risco à sustentabilidade dos estoques. Por fim, evite espécies em categorias ameaçadas, como a carne de cação, a qual inclui espécies de tubarão e raia, ou o mero, no qual é proibido. Tais recomendações mudam conforme os status de conservação das espécies. Para saber mais, recomendamos a leitura do ‘Guia de Consumo Responsável de Pescado’ do Painel Mar (https://painelmar.com.br/consumo-de-pescado/) ou o ‘Guia de Consumo Responsável de Pescado do Brasil’ do WWF-Brasil (https://www.wwf.org.br/consumoconsciente/).

 

Muitas espécies possuem o período de defeso, que é a proibição temporária da pesca de uma espécie em razão da sua dinâmica de reprodução. A época do defeso das espécies também varia de acordo com as particularidades da região onde habitam e podem ter épocas diferentes para cada estado ou região. Respeitar o período de defeso é essencial para a manutenção dos estoques pesqueiros.

 

É importante saber sobre o tipo de pesca, se foi capturado por frotas industriais ou pescadores artesanais. A pesca artesanal, apesar de não possuir monitoramento no Brasil, possui a dependência com a saúde do oceano e é responsável pela segurança alimentar de milhares de famílias.

 

Uma mesma espécie pode ser capturada por diferentes modalidades de pesca, portanto, conhecer o método de pesca é importante para avaliar o grau de impacto sobre o ambiente. Informações sobre a biologia da espécie, tais como os habitats em que vivem (recifes ou coluna d’água), alimentação (herbívora ou carnívora) e hábitos de migração (anual ou sazonal) são relevantes para o consumo consciente.

 

Por fim, destacamos que estamos em um momento chave, onde a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou a ‘Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável’ para os anos de 2021 a 2030, a fim de promover o uso sustentável do oceano com a participação de nós, da sociedade civil, além de pesquisadores e gestores. A agenda possui sete objetivos específicos, entre eles: 1. um oceano limpo; 2. saudável e resiliente; 3. previsível; 4. seguro; 5. produtivo e explorado sustentavelmente; 6. transparente e acessível; e 7. conhecido e valorizado por todos. Dessa forma, o consumo responsável do pescado é uma das diversas ações que nós podemos contribuir para a ‘Década do Oceano’!

 

Referências 

 

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Alisson Dopona é Biólogo marinho, amante dos oceanos e está na eterna evolução do surf.

Intagram: @alissondopona


Patrick Derviche é surfista e pesquisador. Começou no surfe em 2008 em Pontal do Sul — PR e segue até hoje. É Oceanógrafo, MSc pela UFPR. Atualmente, é doutorando em Oceanografia Ambiental pela UFES. 

Instagram: @pderviche