Janelas para Dentro da Alma
Momentos mágicos que ocorrem durante as sessões de surf parecem ser janelas que nos fazem olhar para dentro de nossas almas
27/Abr/2013 - Pedro FerrazLembramos de muito poucos dias durante todo o curso de nossas vidas. O nascimento de uma criança. A celebração de sua formatura. Um dia do casamento. O funeral de um parente próximo. Todas as outras ocasiões se misturam com a banalidade e trivialidade que parecem cercar a maioria das atividades humanas. Afora esses dias, a vida é apenas um borrão, que flui incessantemente através do éter, um mero pontinho de existência em um universo sem graça. Para um surfista, nestes últimos dias a serem lembrados geralmente ocorrem no oceano.
A grande tragédia de ser um surfista é que você começa a ver coisas que a maioria das pessoas nunca irão ver, muito menos compreender. Momentos fugazes na água. Um lip que se projeta de uma forma e se combina com a luz que chama a sua atenção. Uma remada por uma série enorme, pouco antes que ela exploda na bancada, a chuva de gotas de um lip ao seu redor, causando a formação de um arco-íris contra a luz do sol. O sorriso de um amigo quando ele sai da melhor onda do dia. Estes momentos são apenas um vislumbre de uma vida, uma janela para a alma. Como explicá-las aos outros? Como transmitir os momentos de beleza, tão raro no mundo de hoje, que nos envolvem, sem aviso?
Talvez nós estamos destinados a vivenciar esses momentos sozinhos, perdidos em um mar infinito de memórias. Talvez isso é o que nos faz surfistas: a solidão total dos belos momentos que a experiência e a nossa incapacidade para descrevê-los aos nossos companheiros seres humanos. Talvez seja o melhor também. Se fomos capazes de transmiti-los, seria provavelmente um número ainda maior de pessoas na água, procurando observar através das janelas da alma.