Nadar grandes distâncias em águas abertas (mar, lagos, rios) é uma atividade milenar, que, antes de se tornar esporte, tinha um caráter utilitarista ou de sobrevivência. Em cavernas no Egito já foram encontradas pinturas rupestres, datadas de 10.000 anos atrás, registrando homens nadando.
Pinturas em cavernas do Egito de 10mil anos atrás ilustravam homens nadando. Fonte: Espirito Outdoor
Tal atividade começou a ser vista como esporte a partir de 1875, quando ocorreu a primeira travessia a nado do canal da Mancha (34km entre a Grã-Bretanha e a França), sem qualquer equipamento, pelo inglês Matthew Webb. A partir de então, os esportistas da natação procuravam se desafiar, na tentativa de vencer os obstáculos e adversidades da natureza. Quanto mais difícil, mais almejado era o desafio.
Com o surgimento das piscinas, com águas tratadas, a modalidade foi caindo em desuso. E apesar das provas de natação, nas Olimpíadas de 1900, terem ocorrido no Rio Sena, elas não podem ser consideradas como provas de Águas Abertas (atual nomenclatura para Maratona Aquática), pois foram percorridas distâncias pequenas.
Onde entram as mulheres nessa história
No final do século XX, os desafios e competições em águas abertas foram se popularizando, ganhando a atenção necessária para criação de regulamentação universal como esporte. Assim, o primeiro campeonato mundial ocorreu em 1991, na Austrália, com prova de 25km, onde, a primeira mulher a receber a medalha de ouro no feminino foi a Australiana Shelley Taylor-Smith.
Somente nas Olímpiadas de 2008, em Pequim, é que a prova de 10 km, em águas abertas, foi realizada dentro da modalidade da natação. A vencedora no ano foi a russa Larisa Ilchenko. As brasileiras Ana Marcela Cunha e Poliana Okimoto terminaram na quinta e sétima posições.
Nas Olímpiadas de 2012, em Londres, repetiram-se os moldes da prova olímpica da edição anterior. A campeã foi a húngara Éva Risztov e, a única representante brasileira, Poliana Okimoto, precisou abandonar a prova por hipotermia.
Já, nos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro, a prova de 10km, em águas abertas, é desvinculada da modalidade de natação, recebendo o status de Modalidade de Maratona Aquática. O Brasil foi representado naquela prova por Poliana Okimoto e Ana Marcela Cunha, que encerraram a prova na terceira (medalha de bronze) e décima posição, respectivamente.
E as olimpíadas de Tóquio 2020, no Japão, tiveram que ser adiadas para o ano de 2021, como todos sabemos, devido à pandemia da Covid-19. Nessa edição, foi realizada a prova de Maratona Aquática, onde o Brasil consagrou-se campeão, com a medalhista de ouro Ana Marcela Cunha.
Ana Marcela Cunha nas Olimpíados de Tóquio - 2020. Foto: Reuters
Apesar da prova olímpica ter um percurso de 10 KM, é de se frisar que nem só grandes distâncias compõe a modalidade de águas abertas. Em campeonatos estaduais, no campeonato brasileiro, e bem como em circuitos organizados por particulares são realizadas provas com distancias a partir de 1500 metros, dando enfoque, principalmente, para os atletas amadores. A modalidade tem crescido muito nos últimos anos, principalmente em cidades litorâneas, onde a facilidade de acesso a praias tem levado um grande número de atletas a participar.
Mulheres Brasileiras na Travessia do Canal da Mancha
Além de competições, temos também os chamados desafios, individuais ou em revezamentos, que tem na Travessia do Canal da Mancha, a prova mais tradicional e desafiadora, seu ápice. A primeira mulher a desbravar esta travessia foi a americana Gertrude Ederle em 1926.
O Brasil foi representado por diversas vezes, por mulheres, que enfrentaram o temido Canal da Mancha na modalidade solo. São elas:
- 1979 – Kay France
- 1992 e 1995 – Dailza Damas Riveiro
- 1993 – Ana do Amaral Mesquita
- 2001 – Christiane Fanzeres
- 2006 – Marta Mitsui Izo
- 2009 – Luciana Mesquita
- 2017 - Anita Goyas
- 2018 - Alessandra Rossi Cima
- 2020 – Mariana Chevalier Santos
Na categoria revezamento, as brasileiras também se destacam em cruzar o Canal da Mancha. Em 2011 foi realizada a Travessia Balkis Canal da Mancha a 4, participando dela as nadadoras Giuliana P.V. Braga, Priscila C. Santos, Luciana Akissue e Marta Mitsui Izo, que fizeram o percurso de ida e volta (Inglaterra-França-Inglaterra), totalizando 68 km. Em 2019, a equipe Anjos D’Agua também completou a travessia, com 5 integrantes, sendo Marta Mitsui Izo a única mulher na equipe.
Histórias de atletas brasileiras são, sem dúvida, muitas. Merece, especial atenção os feitos de DAILZA DAMAS:
Em 1985, mãe solteira, com 28 anos de idade, precisou encarar uma forma de ajudar e incentivar seu filho a superar uma bronquite. Escolheu aprender a nadar para atingir seu objetivo. Até 2008, ano de seu falecimento, seu nome esteve registrado nas mais conceituadas Maratonas Aquáticas do mundo:
- Canal da Mancha (34km) - 1992 e 1995
- Estreito de Gibraltar (25km) - 1995
- Canal de Catalina (37 km) – 1993
- Contorno da Ilha de Manhattan (48 km) – 1995
- Mar da Galiléia (25km) – 1996 (foi a primeira pessoa a completar a prova)
- Rio Iguaçu (38km) – 1998
- Lago do Titicaca (25km)– Bolívia - 2001 (foi a primeira pessoa a completar a prova em aguas geladas)
- Mar Báltico (25km) – 2002 (foi a primeira pessoa a completar a prova)
É importante mencionar que o canal da Mancha tem uma distâcia de 34 km, porém raríssimas vezes, teve algum nadador que fez tal distância. A travessia é considerada o "Everest" devido as correntes. Deste modo, são traçadas estratégias para o nado, fazendo percursos maiores. No caso de Dailza, os precursos foram de 59 km e 42km.
No Brasil, Dailza Damas também contornou as ilhas de Fernando de Noronha (Pernambuco), do Mel (Paraná), Atol das Rocas (Pernambuco), de Abrolhos (Bahia), Trindade (Pernambuco) e Florianópolis (Santa Catarina).
Meninas, jovens nadadoras: elas também tem seu lugar na história
Ainda, com muito respeito e admiração, merecem ser mencionadas as MENINAS nadadoras.
Kay France Pontes que, aos 12 anos de idade, teve conhecimento da Travessia do Canal da Mancha e, em função disso, resolveu aprender a nadar. Já havia decidido executar tal feito, porém não revelou, de início, sua intenção a ninguém. Em 1979, com apenas 17 anos, tornou-se a 1º latino-americana a conquistar o Canal da Mancha. Kay Pontes manteve-se no posto de mais jovem brasileira a atravessá-lo durante quarenta e um anos, até que Mariana Chevalier Santos, aos 16 anos de idade finalizou sua travessia, tornando-se a mais nova brasileira a fazer o feito.
Mariana Chevalier. Foto: Arquivo pessoal. Fonte: Globo.com
Hoje em dia, o número de participantes feminino, tanto profissional quanto amador, do infantil ao master, cresce progressivamente, impulsionado pelas histórias de dedicação, superação e admiração, formando uma corrente motivacional sem precedentes.
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Ana Paola Piveti é ultramaratonista aquática amadora, 56 anos. 1ª mulher a fazer os desafios: Amazon Challenge, 30km no Rio Negro e o Rio Tietê, com 35 km de extensão.
Dentre outras participações:
- Rio São Francisco (12km) (SE),
- Tossa de Mar x Sant Feliu de Guíxols (12km) Espanha,
- 3 x Rio Itapanhaú 15 km (SP),
- Aquaman Capitólio 12 km(MG),
- Swim Around Lido key 12km (Flórida – USA),
- Reveza 10 Solo – 15 km (SC),
- 7 x Travessia 14 Bis – 24km (SP), sendo 2 delas nos moldes desafío solo,
- Vila Urqiza X Paraná, Argentina (21km)
- 2 x BISA - Ilha Grande – RJ - 16 km (sendo uma totalmente noturna por exigência própria).