Puerto Sandino - Duas Semanas de Muito Surf na Nicarágua
Dando continuidade a Conexão Nordeste, desta vez a Surfar investiu na Nicarágua com os surfistas pernambucanos Alan Donato, Douglas José e Romero Rodrigues, além do capixaba Krystian Kymerson, que participou da barca como convidado.
15/Ago/2013 - Clemente Coutinho - NicaráguaEstive pela primeira vez na Nicarágua em 2004 e percorri o país de norte a sul atrás das famosas ondas de Puerto Sandino e Popoyo. Não sabia muito o que iria encontrar pela frente, apenas que por lá tinha uma condição de vento única no mundo: terral o ano inteiro. Mas como toda regra tem sua exceção, o vento soprou maral durante toda aquela minha estadia. Retornei ao Brasil falando para mim mesmo que nunca mais colocaria meus pés naquele lugar. Porém, no ano seguinte lá estava eu de novo, só que dessa vez em ondas que eu não imaginava que quebravam.
Sempre gostei de retornar aos lugares que já visitei, então com a Nicarágua não seria diferente. O fotógrafo master da Revista Surfar, Pedro Tojal, me colocou em contato com o Miramar Surf Camp na região de Puerto Sandino, situado ao norte do país, e rapidamente a surf trip estava formada. Partiria de Recife em companhia dos surfistas pernambucanos Alan Donato, Douglas José e Romero Rodrigues, que depois de anos morando na Austrália está de volta à terrinha. E nas vésperas da viagem, o capixaba Krystian Kymerson se infiltrou na barca.
O calor é algo incomum naquele país e o táxi que nos transportaria até as ondas estava sem ar-condicionado. O percurso até Puerto Sandino foi de aproximadamente duas horas e percebi que quase nada havia mudado desde a minha primeira visita. Diferente da Costa Rica, onde os americanos praticamente se apoderaram de tudo, a Nicarágua é um daqueles países que o progresso ainda não chegou. A única coisa diferente é que a rodovia agora é asfaltada, mesmo que precariamente. Mas para quem vive no Brasil não é nada que choque. Ao chegarmos, o terral soprava quente e as ondas de Miramar, em frente ao Surf Camp, convidavam para tirar o suor da viagem, apesar da água quente. Rafael, Leandro e sua mulher Daniela assumiram o Miramar Surf Camp em outubro do ano passado e, de lá para cá, não pararam de investir no lugar. A pousada aceita cartão de crédito e é o único ponto de acesso à internet na redondeza. A brasileirada se hospeda em peso e torna o espaço um pedacinho do Brasil.
Há cerca de trinta minutos de Puerto Sandino está a cidade de Lion, conhecida pela universidade que recebe estudantes de todo o mundo. Para quem tem a intenção de ficar mais do que uma semana, vale a pena conhecer, seja para comer uma pizza, sentar num dos diversos bares para beber “Flor de Caña” ou mesmo balançar o esqueleto em uma danceteria, uma excelente opção para quem viaja em companhia feminina, já que na praia não existe outra coisa interessante além do surf.
Puerto Sandino tem uma população muito pequena que vive quase que exclusivamente da pesca e da produção de sal marinho. Uma usina termonuclear instalada desde a época das guerrilhas está ativa até hoje e, além de energia, produz um barulho irritante durante alguns dias da semana. Por ficar próximo à fronteira com El Salvador, sempre aparece alguém que atravessou de barco para surfar em Sandino, uma esquerda na boca de um rio que pode quebrar tão longa quanto às ondas mais longas do mundo. Na maré vazia vira uma pista de manobras com duas seções de tubo, uma no drop e outra mais na frente. Apesar de ser a onda mais famosa da região, estávamos à procura de algumas preciosidades secretas. A maioria dos surfistas quer deslizar sobre ondas perfeitas e nós estávamos na contramão, procurando as mais difíceis e quase intocadas.
Nossos anfitriões não pouparam esforços e nos apresentaram a dois picos muito sinistros. O primeiro quebra em frente às rochas e não perdoa erros. Rafael vacou dentro de um tubo e em questão de segundos teve as quilhas arrancadas de sua prancha, além de algumas escoriações pelo corpo. A onda só quebra em determinada condição de maré e vento. Se você não for atirado, melhor nem tentar. O outro pico, não menos perigoso, não é tão secreto porque já saiu na capa de uma revista americana e em vídeos no Vimeo, mas mesmo assim prefiro guardar segredo porque com certeza retornarei. Além do mais, no primeiro dia que surfamos essa onda, um “local americano” veio conversar comigo. Educado e ao mesmo tempo firme, ele pediu para que não expusesse o pico na matéria. Retruquei dizendo que viajava o mundo inteiro e que hoje em dia valia muito mais deixar o mistério da localização no ar do que escancarar de vez. Depois de uma longa conversa, ele saiu de perto de mim dizendo: “Espero que você esteja falando a verdade”.
A ondulação não estava na direção certa neste dia, só que mesmo assim foi uma boa estreia. Dois dias depois, retornamos. O sol acabara de sair quando outro local se aproximou meio irritado gritando: “Seven people, seven people!” Depois de algum tempo de conversa, ele se acalmou, nos deixou surfar tranquilamente e até pediu desculpas. A onda quebra sobre uma rasa bancada de pedras com bastantes ouriços, porém vale a pena. O vento não interfere, apenas deixa tubular ou manobrável. Após duas semanas de surf trip e com o trabalho concluído era hora de mais uma vez arrumar as malas e retornar para casa. Um aperto no coração em saber que aquelas ondas estarão quebrando dia após dia nos faz ter a certeza de que um dia voltaremos. Mas não adianta, não darei as coordenadas para quem quer que seja. O máximo que posso fazer é convidá-lo para a próxima investida!