UNIDOS POR JUSTIÇA

Homenagens, protestos e a primeira audiência na Justiça Comum marcam os quatro meses da morte de Ricardinho.

25/Mai/2015 - Kevin Damasio - Palhoça - Santa Catarina - Brasil

Enquanto fechávamos a edição especial 26 anos, de maio de 2015, exatamente 68 dias haviam se passado do trágico ato que tirou a vida de Ricardo dos Santos, em 19 de janeiro, que lhe deixou internado até o dia seguinte, quando perdeu a vida. Desde então, a comunidade do surf revelou um forte elo em nome de um só objetivo: exigir justiça. Sabemos que geralmente os processos no Brasil funcionam a passos de tartaruga, mas as provadas circunstâncias do ocorrido inclinam-se para um julgamento mais rápido, acelerado pelo clamor nas ruas, na imprensa, nas redes sociais, nas conversas de boteco, mas, sobretudo, pela clareza dos testemunhos da acusação à Justiça. É para honrar a vida e preservar o legado de Ricardinho que estamos unidos nesta batalha.

Familiares, amigos e conhecidos de Ricardo dos Santos reuniram-se no centrinho da Guarda do Embaú em 18 de abril. O calendário caminhava para três meses desde a trágica data do acidente que tirou a vida de um dos melhores tuberiders brasileiros. Naquela tarde nublada de sábado, às 15 horas, pelo menos 50 pessoas postavam-se à frente da casa onde Ricardinho vivia, todos com um objetivo em comum: homenagear o “Anjo da Guarda” e pedir a expulsão da Polícia Militar do soldado Luís Paulo Mota Brentano, autor da brutalidade que interrompeu a jornada do promissor catarinense.

A homenagem teve, além do caráter de protesto, uma carga a mais de indignação. Na segunda-feira daquela semana, dia 13, Mota foi autorizado pela Justiça a trabalhar dentro do 8º Batalhão da PM em Joinville, no qual está em prisão preventiva. Segundo a juíza Carolina Ranzolin Nerbass Fretta, ele poderia prestar serviço “desde que diga respeito a atividades que não possibilitem seu contato externo, com rigor fiscal pelos responsáveis e encaminhamento de relatórios mensais”. Com base nessa decisão, Mota receberia seu salário integral – até o fechamento desta edição, ele ganhava mensalmente metade do valor total. Além disso, caso fosse condenado pelo assassinato de Ricardinho, teria um dia reduzido da pena para cada três trabalhados, conforme prevê o Código Penal brasileiro.

Foi instantânea a indignação de todos os que acompanham o caso de Ricardinho e, evidentemente, exigem justiça – fator que contribuiu para que houvesse a manifestação do sábado 18. Na sexta-feira 17, contudo, um parecer oficial foi divulgado pelo comandante do 8º Batalhão da PM, o tenente-coronel Nelson Coelho. Pela manhã, ele afirmou ao portal G1 que recusou a decisão da Justiça: “Há uma inviabilidade. Não existe atividade que ele possa exercer dentro do batalhão. Já oficiei a juíza e os advogados”. Portanto, Mota segue em prisão preventiva  sem o direito de trabalhar. O anúncio do Processo Administrativo Disciplinar, que decretará se Mota será expulso ou não da PM de Joinville, estava previsto para abril. No entanto, até dia 28 nenhum comunicado fora emitido pela corporação.

Na segunda-feira 27, a partir das 2 da tarde, aconteceu a primeira audiência da Justiça Comum no fórum de Palhoça. Em cerca de seis horas, foram interrogadas 10 das 12 pessoas da acusação arroladas no caso, entre elas a mãe de Ricardinho, Luciane, o avô, Nicolau dos Santos, o tio, Mauro da Silva, e o padrinho, Andrei Malhado. Do lado das testemunhas de defesa, falaram dois policiais militares e um delegado. O que pode acelerar o processo foi o fato de o soldado Mota já ter sido interrogado naquela noite. Outras testemunhas que moram fora de Palhoça ainda serão ouvidas no processo, e a expectativa é que até este mês de maio a juíza comunique o veredicto: ou Mota será absolvido, ou o caso irá a júri popular – este último, o resultado mais plausível.


Ricardinho no Chile em 2012. Foto: Rafaski

“Acreditamos na Lei”, disse Luciane dos Santos, mãe de Ricardinho, na manhã da manifestação. “E eu acho que vai haver justiça. Vamos procurar e batalhar por isso e acreditamos que teremos um bom resultado.”

No sábado, 18 de abril, pontualmente às 15 horas, quem abriu as homenagens foi Marcos Kito Gungel, presidente da Associação de Surf e Preservação da Guarda do Embaú. Karolina Esser, namorada de Ricardinho, leu um manifesto que exige paz e justiça, como também fizeram Soraya Limaço, professora de Ricardo, e o amigo e cantor Nathan Malagoli.

William Zimmermann, um dos melhores amigos de Ricardinho, segurava um dos lados do cartaz com a inscrição: “A Polícia Militar é digna e não vai proteger aquela ovelha negra”. William, indignado, disse: “É impressionante como, no país em que vivemos, precisamos sair às ruas, dispensar energia para pedir algo tão óbvio.”

Quem segurava o mesmo cartaz, na ponta direita, era o filmmaker Loïc Wirth. “Essa expulsão, essa prisão pode evitar outras vítimas não só das mãos covardes desse assassino, mas também de outros, que perceberão que a punição existe”. Loïc não pisava na Guarda desde 2011, quando filmou o amigo Ricardinho para seu primeiro e premiado filme Intentio. Aquela sessão foi uma de suas primeiras lembranças ao chegar ao centrinho da Guarda. “Foi forte voltar para a Guarda... Lembro que filmei o Ricardinho pegando um tubinho impossível para a direita. Só um molequinho que cresceu ali conseguiria sair.”


Karolina Esser, namorada de Ricardo, lê manifesto durante protesto pela expulsão do PM Mota. Foto: Plínio Bordin

A primeira vez que Loïc viu o Ricardo foi em Pipeline. Era um dia “difícil, pesado e estranho” na joia de Oahu, em 2009, e o tuberider botava para baixo nas cracas mais bizarras. “Ainda não domava Pipe”, recorda Loïc, “mas isso não o impedia de tentar, e ele pegou um tubaço, daqueles que não dá para sair. E saiu seco, de cabeça erguida.” Mas eles conviveram de fato no ano seguinte, na França, junto ao também filmmaker Pietro França e aos surfistas Marco Giorgi e Jean da Silva. Na ocasião, Loïc descobriu um “moleque atirado, de aparência decidida e forte, que era, antes de tudo, uma pessoa do bem, com coração grande”.

Para remontar o que aconteceu e o que sentiu durante a homenagem-protesto de abril, Loïc preferiu escrever: “Ele estava dentro de todos os que estavam ali naquela ruazinha da Guarda... no olhar de cada cachorro que caminhava em volta das pessoas, estranhando a falta de um dos meninos que sempre passava por lá com uma prancha embaixo do braço e o andar engraçado e determinado de quem sabe para onde e por que está indo... contagiando com um sorriso quem tivesse a sorte de cruzar o seu caminho”. Ricardo dos Santos completaria 25 anos no dia 23 deste mês. Feliz aniversário, “Anjo da Guarda”.

Esta reportagem foi originalmente publicada na HARDCORE de maio de 2015, edição 306 

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