Wiggolly abre o jogo: localismo, tensão Brasil x Havaí e futuro nas ondas grandes
Em 3º lugar na corrida pelo título da Tríplice Coroa Havaiana, paulista de Ubatuba busca vaga na elite, sonha em vencer o Pipe Masters e vê rixa antiga aumentar com disputa entre Medina e John John.
15/Dez/2017 - Carol Fontes - Hawaii - Estados UnidosVencer o Pipeline Masters e a Tríplice Coroa Havaiana. Wiggolly Dantas tem metas ambiciosas para a última de 11 etapas do Circuito Mundial. O surfista de Ubatuba frequenta o Havaí desde os 13 anos e tem o lugar como uma segunda casa. Passa até seis meses por ano no arquipélago do Pacífico e foi "adotado" pelo "xerife" da costa norte da ilha de Oahu, Eddie Rothman, conhecido como Fast Eddie. O paulista conheceu o homem que manda e desmanda na região aos sete anos, fica sempre hospedado na casa do local e vê a preservação da natureza como um ponto positivo do localismo, que pode se manifestar de forma violenta no Havaí. Embora tenha percebido mudanças ao longo do tempo, ele se preocupa com a crescente tensão entre Brasil e Havaí. E vê a rixa aumentar com a disputa pelo título mundial entre Gabriel Medina e John John Florence.
Wiggolly foi barrado por John John na estreia em Pipeline, onde é considerado um "showman", e aguarda a definição de seu rival na repescagem (segunda fase). A WSL fará uma nova chamada nesta sexta-feira, às 15h30, de Brasília (7h30 no Havaí).
- O localismo melhorou bastante, só que com o Gabriel e o John John disputando o título, está voltando aquela coisa de Brasil x Havaí. Isso é algo que eu não acho tão legal, porque eu sei que mais cedo ou mais tarde vai dar alguma coisa... Está rolando uma tensão. Brasil e Havaí disputando título no Havaí. Imagina se o último evento do ano fosse lá no Brasil? Eu já vi o Kelly Slater, o Joel Parkinson e o Mick Fanning sendo vaiados. A galera "uuhhh" só porque eles estavam competindo com brasileiro. Imagina o que não iam fazer? - disse o surfista de 27 anos.
O fenômeno do localismo é comum em diversos picos do mundo, inclusive no Brasil. No Havaí, a disputa pelas melhores ondas muitas vezes continua fora da praia. Locais faixa preta de jiu-jítsu fazem até o chamado "tribunal havaiano", geralmente, um ringue improvisado para "resolver os problemas do mar". São muitas as histórias de brigas entre brasileiros e havaianos.
A vivência no Havaí fez Wiggolly enxergar a questão com outros olhos. Segundo ele, graças ao localismo, a costa norte da ilha continua preservada, mesmo com o aumento do turismo nos últimos anos. Outra peculiaridade é o fato de haver ondas ali somente em um período de seis meses. Os locais esperam bastante e se incomodam com o mar de surfistas em seu quintal. Alguns defendem o pico com unhas e dentes, mas, para Wiggolly, esta é uma forma de proteger o pico.
- Eles esperam seis meses as ondas do inverno, aí vem o mundo inteiro surfar. Se tivesse isso no Brasil, uma onda como Pipeline ou Backdoor, será que os gringos iam conseguir surfar? O localismo existe em todo o lugar do mundo. Onde tem praia, tem localismo. Os brasileiros falam que o Havaí tem muito localismo, mas onde eu moro, em Itamambuca, também, assim como Maresias e outros lugares. É um jeito de preservar o lugar que a gente mora. O Eddie fala: "Estamos preservando o Havaí". Querendo ou não, o lugar vai mudar, mas queremos deixá-lo de um jeito parecido como era. Acho que o localismo tem que existir. Um localismo saudável. Não como antes, mas eu entendo. Imagina, esperar por seis meses a onda e ter 200 pessoas na água? - analisou o paulista.
- Ainda existe o tribunal havaiano, é bem ali (apontado para o jardim da casa de Fast Eddie). Quer brigar? Vamos ali no "backyard" (quintal). Vocês brigam ali, ninguém precisa ver, apanhou, vai embora para casa e deu. É isso, "welcome to Hawaii" (bem-vindo ao Havaí). É uma roda e todo mundo vai. Como se fosse um ringue, não tem para onde correr - acrescentou.
Família havaiana
Wiggolly conheceu Fast Eddie no Brasil ainda criança, aos sete anos. Na época, o famoso local chamou o surfista para conhecer o Havaí, mas ele acabou ficando em outro lugar e esqueceu de avisá-lo. Rothman ficou furioso e entrou na casa onde o paulista estava aos gritos à sua procura. "Cadê o Wiggolly? Está aqui e não veio falar comigo?", dizia o "xerife". O ex-top da elite Alejo Muniz, que jogava videogame na sala, se assustou ao se deparar com a figura. Subiu as escadas com pressa e perguntou: "Caramba, o que fez? O patrão tá aí, boladão".
- Eu falei que não tinha feito nada. O Alejo disse que ele estava lá embaixo, bolado, para eu descer rápido. O Eddie falou: "Como você chega aqui e não fala comigo e não vai para a minha casa?". Eu acabei indo e fico há 13 anos na casa dele. Sei que muita gente tem medo, mas me eu sinto muito à vontade e tranquilo com ele. Eu já trouxe a minha mãe e a minha família para conhecê-lo, ele ficou agora no Brasil na minha casa. É um segundo pai. Gosto muito do Havaí, é a minha segunda casa. Passo muito tempo aqui, tenho o meu espacinho, gosto das ondas, da cultura, do espírito aloha... Tenho amigos e família aqui. Fui adotado pela família havaiana e isso é muito especial - contou o atleta, que volta e meia leva uns puxões de orelha do pai postiço.
Um dos fundadores do Da Hui, grupo que espalhava o terror pela ilha vestindo calções pretos, a marca registrada dos "Black Trunks", Eddie Rothman ainda tem poder em Oahu.
- Ele é o dono da ilha, manda e desmanda, mas é o que eu falo: tem que ter (um líder). Tudo o que acontece, ele sabe. O Eddie ajuda muitas pessoas aqui. Mas todo mundo tem medo. Antigamente, o localismo era totalmente diferente. Hoje em dia, está mais tranquilo, mas ele ainda é um cara especial, que, querendo ou não, manda na ilha (risos).
Tríplice Coroa Havaiana
Terceiro colocado em Haleiwa e quinto em Sunset Beach, pela divisão de acesso (QS), o paulista é um dos principais candidatos ao título na Tríplice Coroa Havaiana. A terceira e última parada é o Pipeline Masters, que marca o encerramento da tempora na elite do surfe. O paulista é um "showman" nas direitas de Backdoor e nas esquerdas de Pipeline, palco da 11ª etapa do CT.
Em 24º do ranking mundial, Wiggolly precisa ficar entre os top 22 para permanecer na elite em 2018. Basta vencer uma bateria para assegurar classificação, mas, se passar por mais três ou quatro, ele pode conquistar a Tríplice Coroa. Outros brasileiros na corrida pelo título da perna havaiana são Filipe Toledo (5º), Italo Ferreira (8º) e Adriano de Souza (9º), Pipe Master de 2015.
- O meu foco neste ano é Tríplice Coroa e me classificar. Estou bem focado, venho de dois bons resultados, o treino continua e o foco mais ainda. Eu já venho tentando ser campeão da Tríplice Coroa há alguns anos. Sempre quis ter meu nome ali. Eu tenho um sonho também de ganhar o Pipe Masters e ter meu nome lá também. É uma meta da minha carreira: levar aquele troféu com aquela prancha linda e colocar na minha casa. Preciso me classificar, e dá para levar esse título. É dois em um. Vai ter onda neste ano no Havaí. Ainda bem que está grande - declarou.
Futuro nas ondas grandes
Conquistar o título mundial no surfe convencional e outro no Circuito Mundial de Ondas Grandes (BWT) são os seus maiores sonhos. Quando se aposentar do CT, ele espera se dedicar à modalidade mais extrema do esporte. Viciado em adrenalina, ele surfa mares grandes e pesados sempre que há uma brecha. Ele começou a encarar estas ondas para não deixar os irmãos mais velhos o chamarem de "merrequeiro". Quase morreu afogado quatro vezes, mas está calejado. Como diria um amigo, "o que não mata, deixa encascorado".
- Quando eu parar, quero fazer um ou dois anos de BWT. A minha meta é ser campeão mundial e depois ser campeão do BWT para fechar a carreira com chave de ouro. Esse é o meu objetivo. Quem sabe, depois dos 35 ou 38 anos. Gosto de surfar onda grande. Viajo bastante, mas sempre estou surfando onda grande, tomando caldo. Sempre que eu vou surfar, eu vou para baixo do pico e tomo uma série grande na cabeça já para sentir a adrenalina. É bom, eu gosto. Todo o surfista de alma, que gosta de surfar onda grande, toma onda na cabeça, gosta de mar grande, fechando, vaca, vento, quase vomita sangue com água do mar... Não tem limites, é você que coloca o seu limite.
Top-10 da Tríplice Coroa Havaiana:
1 - Griffin Colapinto - 15,312 pontos
2 - Kolohe Andino - 14,376
3 - Wiggolly Dantas - 13,076
4 - Conner Coffin - 12,076
5 - Filipe Toledo - 11,076
6 - Michel Bourez - 9,676
7 - Wade Carmichael - 8,800
8 - Italo Ferreira - 8,476
9 - Adriano De Souza - 8,476
10 - Patrick Gudauskas- 8,350
Baterias da primeira fase no Havaí:
1: Jeremy Flores (FRA) 10.17, Jadson André (BRA) 6.33, Matt Wilkinson (AUS) 4.67
2: Josh Kerr (AUS) 12.17, Kanon Igarashi (EUA) 6.10, Owen Wright (AUS) 3.37
3: Conner Coffin (EUA) 10,50, Julian Wilson (AUS) 8,00 e Stuart Kennedy (AUS) 1,50
4: Jordy Smith (AFS) 16.57, Bede Durbidge (AUS) 11.43, Ethan Ewing (AUS) 3.00
5: Miguel Pupo (BRA) 14,83, Benji Brand (HAV) 12.64, Gabriel Medina (BRA) 12.43
6: John John Florence (HAV) 13,50, Dusty Payne (HAV) 6,83, Wiggolly Dantas (BRA) 5,63
7: Caio Ibelli (BRA) 12.83, Adriano de Souza (BRA) 11,27, Jack Freestone (AUS) 7,04
8: Kelly Slater (EUA) 12,47, Joan Duru (FRA) 11,90, Kolohe Andino (EUA) 7,60
9: Ezekiel Lau (HAV) 10,50, Filipe Toledo (BRA) 2,00, Michel Bourez (TAH) 2,00
====== não realizadas ======
10: Sebastian Zietz (HAV), Adrian Buchan (AUS) e Ian Gouveia (BRA)
11: Joel Parkinson (AUS), Connor O'Leary (AUS) e Leo Fioravanti (ITA)
12: Mick Fanning (AUS), Frederico Morais (POR) e Italo Ferreira (BRA)